quarta-feira, novembro 30, 2005

Do trabalho final de Sandra sobrou este texto meio perfil meio crônica meio reportagem. É preciso explicar o por quê disto pra que ninguém se assuste pensando que, ao invés de uma matéria, escrevi um conto, e que ao invés de jornalismo estou brincando de literatura. Meu trabalho na construção desse texto foi essencialmente jornalístico, de checar as fontes e ouvir as partes; contudo, a forma como construi este relato é que não foi muito convencional. Mesmo assim, não inventei nada novo, apenas tentei deliberadamente me aproximar daquilo que tem sido chamado Novo Jornalismo ou Jornalismo Literário; que nada mais é que manter o relato factual, contudo, lançando mão de elementos que são mais comuns à ficção.




SALTA-DOR
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As histórias que eu ouvi foram muitas; havia divergência entre o relato dos ascensoristas do prédio. Zenaldo me contava que talvez ele não andasse mais, havia ficado em cadeira de rodas e com seqüelas na cabeça, algum problema mental. Franklin pedia que se eu o encontrasse, dissesse a ele para não repetir a dose. Eu pendia para a versão de ‘Seu’ Adilson, que trabalhava no prédio desde a sua construção, por volta de 1967/68.

‘Seu’ Adilson era homem já de cabelos brancos e, embora falasse pouco, me contou uma história que era totalmente outra. Dizia ter ouvido falar do paradeiro daquele homem, mas que não sabia seu nome nem onde morava, exceto que talvez estivesse trabalhando em tal lugar ali por perto mesmo, e que realmente só o porteiro da noite saberia informar melhor.

Fui ao tal lugar. A cicatriz de quem pulou de um prédio é difícil de esconder; e ele a trazia bem gravada no canto direito da testa e no olhar nervoso e desconfiado. Sem maiores dificuldades, eu havia encontrado quem procurara.

A conversa dos ascensoristas em torno daquele homem que pulou do 5º andar do Edifício Lucas, centro de Campina Grande, e não morreu era puro folclore. Fazia um ano que Marcos trabalhava ali, um estabelecimento comercial do município na forma de feira livre diária, e não só caminhava normalmente como era o segurança do local.

De jaqueta cinza, cacetete na mão, Marcos não sabia se expressar muito bem nem conseguia me explicar direito o por quê de sua atitude. Enumerou razões sem conectá-las umas às outras, disse que a perda do emprego, a falta de perspectiva, a gravidez da mulher, as drogas que usava, e que talvez juntando tudo se explicasse por que ele tentou a morte, há cerca de um ano e meio.

Escolhera o Lucas pela facilidade de transitar e alcançar uma janela; a laje do chamado andar vazado, antes salão de festas, é o primeiro piso que se alcança de qualquer dos treze andares que se pule. Marcos sabia das outras duas pessoas que haviam pulado de lá para a morte este ano, uma deles no início deste mês inclusive, e, estalando o dedo, falava que muitos casos ocorreram antes do seu.

Essas histórias eu tinha ouvido com detalhes, não fazia meia hora, da boca das ditas testemunhas oculares, os ascensoristas do Lucas. Contaram-me de um que subiu as escadas em disparada ao último andar, totalmente atordoado, e, já no parapeito, ameaçando levar consigo quem o detivesse. Contaram de uma mulher que, noutra época, fez igual ameaça mas acabou sendo impedida tanto de pular quanto de levar alguém consigo. Contaram de como era difícil controlar quem subia e para onde ia, e de como julgavam absolutamente impossível dissuadir um suicida.

Enquanto relembrava essas histórias e, num gesto autômato, anotava no bloco de notas as frases esparsas que Marcos proferia, passava em minha mente soluções malucas para resolver o problema do condomínio, como uma cama elástica em cima do andar vazado, e outros disparates afins. Logo percebi que o problema não era do condomínio. Assim como o suicídio por enforcamento não é problema das cordas. Aliás, pelo que disse a síndica, e confirmaram os porteiros, nunca nenhum dos que se atiraram de lá morava no prédio.

Com a mente de volta à feira, encostado numa banca de verduras vazia, era com pesar que eu ouvia a triste história de Marcos, de como sua mulher o abandonara, de como perdera seu emprego de policial, de como se envolvera com drogas, de como foi declinando e declinando, até cair, no sentido mais literal possível; e de como sobrevivera à queda, sem saber ainda a quem atribuir o milagre. Falou-me que estava lendo a Bíblia, e aproveitei pra conversar sobre uma queda muito maior que a dele: a de Adão. Não sei se me deu ouvidos.

Era extremamente admirável ver o esforço de um ser humano por reconstruir a existência que tentou expurgar no piso de uma laje. Quando os olhos marejaram, Marcos despistou comentando um filme que assistiu no dia anterior em que “um cara pulou de um prédio.” Eu não vi o filme, respondi. “O viado morreu na hora,” disse rindo, talvez tentando, mais do que esconder o choro, encontrar consolo em uma história pior que a sua, sem importar se fictícia.

terça-feira, novembro 08, 2005

O Pós-modernismo Nu

O que segue é a tradução parcial da resenha feita por Richard Dawkins ao livro de Alan Sokal (foto) e Jean Bricmont, Imposturas Intelectuais: O abuso da ciência pelos intelectuais pós-modernos. O texto, de 9 de Julho de 1998, foi publicado na revista Nature. Embora já tivesse a indicação de Olavo quanto ao "experimento Sokal", só fui mexer nesse assunto por conta do trabalho de Teoria da Comunicação sobre o Pensamento Contemporâneo Francês; agora preciso do livro. Sokal e Bricmont dinamitaram figuras como Jacques Lacan, Julia Kristeva, Paul Virilio, Jean-François Lytoard, Gilles Deleuze, Luce Irigaray, Bruno Latour, e Jean Baudrillard. Para mais detalhes veja a resenha. Falando da tradução, embora Dawkins escreva muito bem, não tive paciência de fazer algo mais caprichado. O que segue é uma tradução livre e sem revisão do texto:


Suponha que você seja um impostor intelectual que não tenha nada a dizer, mas com fortes ambições de sucesso na vida acadêmica, que deseje colecionar um círculo social de discípulos reverentes e ter os estudantes ao redor do mundo sublinhando respeitosamente suas páginas com um daqueles marcadores amarelos. Que tipo de estilo literário você cultivaria? Não um lúcido, seguramente, pois a clareza exporia sua falta de conteúdo. Provavelmente você irá produzir algo como o que segue:

Podemos ver claramente que há uma correspondência bi-unívoca entre o significado linear das ligações ou arquiescritos, dependendo do autor, e essa multi-referenciação, essa máquina de catálise multidimensional. A simetria da escala, a transversatilidade, o caráter fático não-discursivo de sua expansão: todas estas dimensões removem de nós a lógica do cerne da exclusão e nos reafirmam na dimensão do binarismo ontológico que criticamos anteriormente.

Esta é uma citação do pscinalatista Felix Guattari, um dos muitos ‘intelectuais’ pós-modernos franceses apresentados por Alan Sokal e Jean Bricmont em seu esplêndido livro Imposturas Intelectuais, originalmente publicado em francês e agora circulando em uma edição inglesa totalmente reescrita e revisada. Guattari entra indefinidamente neste rumo e oferece, na opinião de Sokal e Bricmont, “a mais brilhante mistura do jargão científico, pseudocientífico e filosófico que jamais encontramos”. O colaborador íntimo de Guattari, o novato Gilles Deleuze, tem um talento similar para escrever:

Em primeiro lugar, a singularidade de eventos corresponde à série heterogênea que é organizada em um sistema que nem é estável nem instável, mas que chega a ser ‘meta-estável’, dotado com uma energia potencial em que são distribuídas as diferenças entre série... Em segundo lugar, as singularidades possuem um processo de auto-unificação, continuamente móvel e descolam a extensão que um elemento paradoxal atravessa a série e os faz ressonar, enquanto envolvendo os pontos singulares correspondentes em um único ponto aleatório e todas as emissões, todos os lançamentos de dados, em um único elenco.

Isto pede que se preste atenção à caracterização inicial de Peter Medawar quanto ao estilo de um certo tipo de intelectual francês (note, de passagem, o contraste oferecido pela própria clareza e elegância da prosa de Medawar):

O estilo se tornou um objeto de primeira importância, e o estilo é justamente isto! Eu vejo alguns se empinando, se vangloriando de qualidades, cheios de auto-importância; realmente elevados, mas à maneira de um bailarino, parando de vez em quando em atitudes estudadas, como se esperassem uma explosão de aplausos. Isto teve uma influência deplorável na qualidade do pensamento moderno...

Retornando para atacar os mesmos objetivos de outro ângulo, Medawar diz:

Eu posso citar evidências como o início do sussurro de uma sirene contra as virtudes da clareza. Alguém que escreveu sobre estruturalismo no Times Literary Supplement sugeriu que aqueles pensamentos que são confusos e tortuosos em razão de sua profundidade são mais propriamente expressos em uma prosa que seja propositalmente obscura. Isto é que é uma idéia propositalmente tola! Me faz lembrar de um diretor de invasão aérea que em tempo de guerra em Orforx, quando o brilho do luar parecia vencer o espírito da escuridão, nos aconselhou a usarmos óculos escuros. Porém, ele estava querendo ser engraçado.

Isto é da conferência de Medawar de 1968 sobre “Ciência e Literatura” (Oxford University Press, 1982). Nesse tempo Medawar, sussurrou a sirene de sua voz.

Deleuze e Guattari escreveram e colaboraram em livros descritos pelo celebrado Michel Foucault como “entre os maiores dos maiores... Talvez, algum dia, este século será chamado Deleuziano.” Sokal e Bricmont, entretanto, pensam de outro modo: “Esses textos contêm uma infinidade de sentenças ininteligíveis – às vezes banais, às vezes errôneas – e não vamos falar do que está nas notas de rodapé. O resto, deixemos que o leitor julgue por si mesmo.”

Mas não é fácil para o leitor. Sem dúvida existem pensamentos tão profundos que muitos de nós não entenderia a linguagem na qual eles são expressos. E sem dúvida há também há uma linguagem projetada para ser ininteligível a fim de esconder a ausência de raciocínio honesto. Mas como saberemos a diferença? O que realmente leva um especialista a detectar se de fato o rei está vestido? Particularmente, como saberemos se os filósofos franceses da moda, cujos discípulos têm assumido grandes seções da vida acadêmica americana, são genuinamente profundos ou apenas possuem a mesma retórica de um skatista ou charlatão?

Sokal e Bricmont são professores de física, respectivamente, da Universidade de Nova Iorque e da Universidade de Louvain na Bélgica. Eles limitaram suas criticam àqueles livros que se aventuraram em invocar conceitos da física e da matemática. Aqui eles sabem do que estão falando, e seu veredicto é inequívoco. Sobre Jacques Lacan, por exemplo, cujo nome é venerado por muitos nos departamentos de ciências humanas nas universidades americanas e britânicas, não existe dúvida de que ele simula compreender profundamente a matemática:

...embora Lacan use várias palavras chaves da teoria matemática de densidade, ele as confunde arbitrariamente e não tem a menor consideração pelos seus significados. Sua ‘definição’ de densidade não só é falsa: é estúpida.

Eles citam adiante uma parte notável da argumentação de Lacan

Assim, calculando aquele significado de acordo com o método algébrico usado aqui, isto é:

Você não precisa ser um matemático para ver que isto é ridículo. Recordo o Aldous Huxley que provou a existência de Deus dividindo zero em um número, derivando disto o infinito. Em uma parte adiante da argumentação isto se mostra completamente típico do gênero, Lacan irá concluir que o órgão erétil

...é equivalente a raiz quadrada de -1 do significado produzido acima, da junção que restabelece pelo coeficiente de sua declaração a falta de significado (-1).

Não precisamos das perícias matemáticas de Sokal e Bricmont para nos assegurar de que o autor desta obra de arte é uma fraude. Será que ele é genuíno quando fala de temas não-científicos? Mas um filósofo que é pego comparando o órgão erétil com a raiz quadrada de -1 um tem, na minha opinião, suas credenciais desacreditadas quando fala de coisas das quais eu não sei.

A ‘filósofa’ feminista Luce Irigaray é outro exemplo a que Sokal e Bricmont dedicam um capítulo inteiro. Em uma passagem rememorativa de uma notória descrição feminina dos Principia de Newton (um “manual de estupro”), Irigary discute que E=mc2 é uma “equação sexual”. Por que? Porque “privilegia a velocidade da luz sobre todas as outras velocidades que são vitais e necessárias a nós.” Num raciocínio desta mesma espécie está a tese de Irigary das mecânicas fluídas. Os fluídos, você vê, foram incorretamente negligenciados. “Físicos masculinos” privilegiaram coisas rígidas, sólidas. Sua expositora americano, Katherine Hayles, cometeu o mesmo erro de re-expressar os pensamentos de Irigary por meio de uma linguagem (comparativamente) clara. Por sua vez, se temos o olhar razoavelmente desobstruído sob o rei, vemos que ele está nu:

O privilégio do sólido sob os fluídos mecânicos, e a real inabilidade da ciência para lidar com o turbulento fluxo ao nada, ela atribuiu à associação de fluidez com feminilidade. Enquanto os homens têm órgãos sexuais que se dilatam e enrijecem, as mulheres têm aberturas que escoam sangue menstrual e fluídos vaginais... Sob esta perspectiva não é se espantar que a ciência não tenha alcançado um modelo que propiciasse a turbulência. O problema do fluxo turbulento não pode ser resolvido porque as concepções de fluídos (e de mulheres) necessariamente foram formuladas para permanecer inarticuladas.

Você não precisa ser um físico para farejar o cheiro absurdo deste tipo de argumento (o tom disto se tornou muito familiar), mas Sokal e Bricmont nos ajudam a entender a real razão por que o fluxo turbulento é um problema difícil: as equações Navier-Stokes são difíceis de resolver
[1].

De maneira similar, Sokal e Bricmont expõem a confusão de Bruno Latou da relatividade com o relativismo, na ciência do pós-moderno Jean-François Lyotard, e o abuso do difundido e o previsível na teoria de Gödel, e da teoria do quantium e do caos. O renomado Jean Braudillard é o único a achar na teoria do caos um uso útil para enganar os leitores. Uma vez mais Sokal e Bricmont nos ajudam a analisar os truques deste jogo. A oração seguinte, “embora construída sob terminologia científica, não faz sentido do ponto de vista” científico:

Talvez a própria história deva ser considerada como uma formação caótica na qual a aceleração acaba com a linearidade e a turbulência criada pela aceleração que inclina a história definitivamente para o seu fim, da mesma maneira que tal turbulência distancia seus efeitos de suas causas.

Eu não irei citar nada mais, pois, como Sokal e Bricmont dizem, o texto de Baudrillard “continua em aumentos graduais de estupidez”. Eles novamente chamam a atenção para “a alta densidade de terminologia científica e pseudo-científica – inseridas em sentenças que são, até onde podemos perceber, destituídas de significado”. Seu resumo sobre Baudrillard poderia representar quaisquer dos autores criticados aqui, bem como abranger outras celebridades americanas:

Em resumo, se encontra nos trabalhos de Baudrillard uma profusão de termos científicos, usados sem nem saber o que eles significam e, além de tudo, num contexto onde são visivelmente irrelevantes. Ou alguém os interpreta como metáforas, ou será difícil ver que função eles podem desempenhar, exceto dar uma aparência de profundidade muito comumente observadas na sociologia ou história. Além do que, a terminologia científica está misturada com um vocabulário não-científico que é usado do mesmo modo sujo. Depois disto alguém pode querer saber o que se aproveita do pensamento de Baudrillard depois que se tira o floreado verbal que o cobre.


[1] “Soluções de equações Navier-Stokes só foram obtidas em um número limitado de casos especiais. As equações são derivadas sob certas suposições simplificadas relativas ao tensor do fluido; em uma dimensão eles representam a suposição chamada Lei Newtoniana de fricção”. Extraído do Dictionary of Technical Terms for Aerospace Use.

sábado, novembro 05, 2005

Possível Plebiscito

Alguns dias depois do referendo de 23 de outubro, Peter Hof escreveu: "Espero que essa vitória tenha sido um divisor de águas entre o que o povo quer e os dirigentes teimam em fazer. Uma linha foi traçada no chão, daqui vocês não vão passar, pensem bem antes de se reunirem em conchavos em Brasília para planejar novas investidas contra nossos direitos."

Contra o estrondoso "não" das urnas, tentou-se a desculpa de que o povo foi ludibriado por um marketing muito bem feito e que as pessoas não votaram contra a proibição do comércio de armas de fogo e munição porque perceberam a burrice que isso seria, mas porque estavam indignadas contra o governo Lula. Bem, quem perde dá suas desculpas.

Nem bem deixamos o debate sobre a comercialização de armas de fogo e em Brasília já está se falando (pela não sei quanta vez) de uma questão ainda mais absurda. Não estou me referindo ao protesto na visita do presidente americano ao Brasil; embora me surpreenda como tanta gente se organizou e saiu rapidamente às ruas para protestar contra o que é decidido na América do Norte enquanto o máximo que conseguem fazer pela escancarada safadeza local, em momento raro de honestidade, é dizerem-se arrependidas quanto a ter votado em Lula.

A questão absurda a qual me refiro aqui é a da liberação do aborto. Um projeto propondo tal coisa, não sei exatamente em que termos, foi apresentado à Câmara dos Deputados pela ministra Nilcéa Freire, e o presidente da Comissão de Seguridade, deputado Benedito Dias (PP do Amapá), prometeu que não ficará engavetado, mas, "vai botar para votar."

E, gostaram, parece que vão botar o povo pra votar de novo. A deputada Jandira Feghali (PC do B -RJ), que há oito anos milita em favor da legalização do aborto, e o deputado Osmânio Pereira (PTB-MG), que é contra o aborto, concordam que seja feito um plebiscito com a seguinte pergunta: “A interrupção da gravidez até a 12a semana de gestação deve ser permitida?”

Há mais informações sobre isto no site da casa da mãe, digo, a "casa de todos os brasileiros", a câmara dos deputados: <
http://www2.camara.gov.br/>. Seria bom se pudéssemos acompanhar essa questão com mais atenção. Talvez um plebiscito com dinheiro público perguntando sobre se queremos ou não o direito de matar nossas criancinhas seja até melhor do que deixar que os deputados decidam a questão por si mesmos.

Entre aqueles que tratam o tema com intransigência no sentido de impedir a legalização do aborto está o conhecido Doutor Enéas. Não estou pedindo votos para o Prona. Das propostas de Enéas, enquanto candidato à presidência da república, eu só lembrava da bomba atômica. Mas quem, como eu, julgou o Dr. Enéas incapaz de dizer algo sóbrio e coerente deve ler este seu discurso abaixo. Pretendo voltar a este assunto posteriormente.


O SR. ENÉAS (PRONA-SP. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, com a permissão de V.Exa., vou usar os 5 minutos a que tenho direito. Sr. Presidente, que a questão é controversa, eu sei. Mas aquilo para que é preciso existir um alerta é para um processo desumano que vem crescendo em todo o planeta. Ninguém é dono da vida de ninguém. Com todo o respeito às senhoras, tenho três filhas e estou falando como médico. Ninguém é dono da vida de ninguém. O concepto, desde o momento da fecundação, da beleza que representa o ato genésico, é uma vida.


Depois que houve a meiose, a partir daquele instante, quando o ovócito de segunda ordem, se uniu ao espermatozóide, há um novo ser, que prescinde completamente daquilo que a senhora gestante pensa. Até o tipo sangüíneo é diferente. Aquilo é uma nova vida.

É absolutamente destituído de qualquer fundamento o argumento de que — como já ouvi muitas vezes de pessoas absolutamente destituídas de preparo — o corpo é da mulher, ela tem o direito de decidir. Isso é absolutamente falso, isso é absolutamente mentiroso, isso é absolutamente cínico, chega a ser até algo próximo de eugenia, muito, muito, muito a favor de teses que ainda medram no espírito de muita gente, cuja tese ideal é que o mundo seja feito de pessoas perfeitas, que não haja deficientes físicos, que seja o nosso planeta constituído de uma população de arianos. Isso é uma beleza, para quem pensa assim.

Mas estudei, aprendi e tenho o direito de defender esta tese: o indivíduo gerado é um novo ser, nada dá o direito de eliminar essa vida. E para os que falam em anencefalia, é bom que se lembre a esses senhores — alguns com diploma de médico também — , que, até o momento de nascer, aquela criatura está viva. Ela vai morrer, mas ninguém sabe exatamente o momento. E, dentre nós, quem sabe quando vai morrer? Quem tem a proterva veleidade de dizer que sabe quando vai desaparecer, se isso é absolutamente impossível, de maneira científica? E como médico, muitas vezes fui inquirido sobre isso: quando vou morrer? Resposta: ninguém sabe. Que direito tem um cidadão, porque é médico, de decretar a morte daquele ser? Nenhum.

Estou falando aqui não em tese espiritual, estou falando em tese científica. E já um colega ilustre ali me disse: espiritualmente, sou contra isso. Não estou defendendo nenhuma tese espiritual, estou dizendo que, mesmo quando o Código Penal defende o estupro, ali há um erro, que mais à frente será corrigido, porque se houve o estupro, e a mulher está absolutamente violentada — e podia ser uma filha minha — eu digo que o ser que está ali não tem nada a ver com ela. Aquele ser que ali está é um ser vivo da espécie humana, que tem que ser defendido pelos congressos, pelas Casas Legislativas, pelo Poder Executivo e, fundamentalmente, pelo Judiciário, que se manifestou de maneira sábia agora.

Quero encerrar dizendo para os senhores que o processo de permissão do aborto caminha junto com uma série de outras teses absolutamente destituídas de fundamento humanista, no sentido de que a população do nosso planeta seja constituída de seres privilegiados. Essa é que é a tese verdadeira! É assim que Malthus está renascendo. É verdade, o neomalthusionismo aí está, querendo que a sociedade seja feita de seres ideais. Agora, pergunto: ideais à imagem de quem? Quem é que tem coragem de dizer o que é o ideal? Será o ideal a tese expendida por Adolf Hitler? Será o ideal a tese de Mussolini? O que é o ideal? A miscigenação é um crime, nesses termos apenas.

Levantei-me, sou de usar pouco o microfone, Sr. Presidente, raras vezes me manifesto, mas mais uma vez percebi que é hora de falar. E se a questão é preparo, eu o tenho; se a questão é diploma de médico, eu o tenho; se a questão é ensinar Medicina, faço isso há 30 anos. Sei exatamente o que estou dizendo. E o recado para os brasileiros é: Cuidado! Que leis semelhantes a essa, ou proposições aqui apresentadas, que teses nesse sentido — e deixo registrado meu aplauso ao Supremo Tribunal Federal — sejam coibidas, e que possamos, isso sim, caminhar em busca de uma sociedade solidária, em que o respeito à vida seja fundamental, de uma sociedade em que todos se respeitem, independentemente de origem, raça, religião ou qualquer outro tipo de convicção.

Quero deixar bem claro que não tenho nada contra ninguém em particular, estou apenas defendendo o direito mais importante de todos: o direito à vida. Muito obrigado, senhores. (Palmas.)


Discurso extraído do site do Prona:
http://www.prona.org.br/interna1.asp?id=107&cidade=Brasil

terça-feira, novembro 01, 2005

Ars Culinarae

Conectado por meio de um adaptador no mesmo botijão que alimenta o forno comum, há aqui em casa um pequeno forno. Seu formato é quadrático e é da largura de cerca de um palmo e meio. É composto de duas chapas de aço, uma fixa, em contato direto com a flama e outra móvel, que funciona como tampa, e na qual há um cepilho de madeira. Se ascende por meio de um orifício na parte frontal, que conduz a uma boca de gás, em formato circular, proporcional ao tamanho da chapa. São duas as intensidades da chama, ajustáveis por meio de um botão, localizado ao lado do orifício pelo qual se ascende o forno: alta e branda. Na chapa não se usa óleo para o preparo do que quer que seja. Depois de limpá-la com um papel toalha umedecido em álcool, põe-se nela o hambúrguer, o presunto, o queijo, o bacon, o ovo, a carne, a charque, a calabresa, et cetera, et cetera, e, com a ajuda de uma espátula com lâmina de alumínio e cabo de madeira, se vai misturando e revirando os ingredientes, que vão dentro do pão ou acompanham o cuscuz.

A propósito, eu não lancho mais em Lindo Olhar.