terça-feira, novembro 08, 2005

O Pós-modernismo Nu

O que segue é a tradução parcial da resenha feita por Richard Dawkins ao livro de Alan Sokal (foto) e Jean Bricmont, Imposturas Intelectuais: O abuso da ciência pelos intelectuais pós-modernos. O texto, de 9 de Julho de 1998, foi publicado na revista Nature. Embora já tivesse a indicação de Olavo quanto ao "experimento Sokal", só fui mexer nesse assunto por conta do trabalho de Teoria da Comunicação sobre o Pensamento Contemporâneo Francês; agora preciso do livro. Sokal e Bricmont dinamitaram figuras como Jacques Lacan, Julia Kristeva, Paul Virilio, Jean-François Lytoard, Gilles Deleuze, Luce Irigaray, Bruno Latour, e Jean Baudrillard. Para mais detalhes veja a resenha. Falando da tradução, embora Dawkins escreva muito bem, não tive paciência de fazer algo mais caprichado. O que segue é uma tradução livre e sem revisão do texto:


Suponha que você seja um impostor intelectual que não tenha nada a dizer, mas com fortes ambições de sucesso na vida acadêmica, que deseje colecionar um círculo social de discípulos reverentes e ter os estudantes ao redor do mundo sublinhando respeitosamente suas páginas com um daqueles marcadores amarelos. Que tipo de estilo literário você cultivaria? Não um lúcido, seguramente, pois a clareza exporia sua falta de conteúdo. Provavelmente você irá produzir algo como o que segue:

Podemos ver claramente que há uma correspondência bi-unívoca entre o significado linear das ligações ou arquiescritos, dependendo do autor, e essa multi-referenciação, essa máquina de catálise multidimensional. A simetria da escala, a transversatilidade, o caráter fático não-discursivo de sua expansão: todas estas dimensões removem de nós a lógica do cerne da exclusão e nos reafirmam na dimensão do binarismo ontológico que criticamos anteriormente.

Esta é uma citação do pscinalatista Felix Guattari, um dos muitos ‘intelectuais’ pós-modernos franceses apresentados por Alan Sokal e Jean Bricmont em seu esplêndido livro Imposturas Intelectuais, originalmente publicado em francês e agora circulando em uma edição inglesa totalmente reescrita e revisada. Guattari entra indefinidamente neste rumo e oferece, na opinião de Sokal e Bricmont, “a mais brilhante mistura do jargão científico, pseudocientífico e filosófico que jamais encontramos”. O colaborador íntimo de Guattari, o novato Gilles Deleuze, tem um talento similar para escrever:

Em primeiro lugar, a singularidade de eventos corresponde à série heterogênea que é organizada em um sistema que nem é estável nem instável, mas que chega a ser ‘meta-estável’, dotado com uma energia potencial em que são distribuídas as diferenças entre série... Em segundo lugar, as singularidades possuem um processo de auto-unificação, continuamente móvel e descolam a extensão que um elemento paradoxal atravessa a série e os faz ressonar, enquanto envolvendo os pontos singulares correspondentes em um único ponto aleatório e todas as emissões, todos os lançamentos de dados, em um único elenco.

Isto pede que se preste atenção à caracterização inicial de Peter Medawar quanto ao estilo de um certo tipo de intelectual francês (note, de passagem, o contraste oferecido pela própria clareza e elegância da prosa de Medawar):

O estilo se tornou um objeto de primeira importância, e o estilo é justamente isto! Eu vejo alguns se empinando, se vangloriando de qualidades, cheios de auto-importância; realmente elevados, mas à maneira de um bailarino, parando de vez em quando em atitudes estudadas, como se esperassem uma explosão de aplausos. Isto teve uma influência deplorável na qualidade do pensamento moderno...

Retornando para atacar os mesmos objetivos de outro ângulo, Medawar diz:

Eu posso citar evidências como o início do sussurro de uma sirene contra as virtudes da clareza. Alguém que escreveu sobre estruturalismo no Times Literary Supplement sugeriu que aqueles pensamentos que são confusos e tortuosos em razão de sua profundidade são mais propriamente expressos em uma prosa que seja propositalmente obscura. Isto é que é uma idéia propositalmente tola! Me faz lembrar de um diretor de invasão aérea que em tempo de guerra em Orforx, quando o brilho do luar parecia vencer o espírito da escuridão, nos aconselhou a usarmos óculos escuros. Porém, ele estava querendo ser engraçado.

Isto é da conferência de Medawar de 1968 sobre “Ciência e Literatura” (Oxford University Press, 1982). Nesse tempo Medawar, sussurrou a sirene de sua voz.

Deleuze e Guattari escreveram e colaboraram em livros descritos pelo celebrado Michel Foucault como “entre os maiores dos maiores... Talvez, algum dia, este século será chamado Deleuziano.” Sokal e Bricmont, entretanto, pensam de outro modo: “Esses textos contêm uma infinidade de sentenças ininteligíveis – às vezes banais, às vezes errôneas – e não vamos falar do que está nas notas de rodapé. O resto, deixemos que o leitor julgue por si mesmo.”

Mas não é fácil para o leitor. Sem dúvida existem pensamentos tão profundos que muitos de nós não entenderia a linguagem na qual eles são expressos. E sem dúvida há também há uma linguagem projetada para ser ininteligível a fim de esconder a ausência de raciocínio honesto. Mas como saberemos a diferença? O que realmente leva um especialista a detectar se de fato o rei está vestido? Particularmente, como saberemos se os filósofos franceses da moda, cujos discípulos têm assumido grandes seções da vida acadêmica americana, são genuinamente profundos ou apenas possuem a mesma retórica de um skatista ou charlatão?

Sokal e Bricmont são professores de física, respectivamente, da Universidade de Nova Iorque e da Universidade de Louvain na Bélgica. Eles limitaram suas criticam àqueles livros que se aventuraram em invocar conceitos da física e da matemática. Aqui eles sabem do que estão falando, e seu veredicto é inequívoco. Sobre Jacques Lacan, por exemplo, cujo nome é venerado por muitos nos departamentos de ciências humanas nas universidades americanas e britânicas, não existe dúvida de que ele simula compreender profundamente a matemática:

...embora Lacan use várias palavras chaves da teoria matemática de densidade, ele as confunde arbitrariamente e não tem a menor consideração pelos seus significados. Sua ‘definição’ de densidade não só é falsa: é estúpida.

Eles citam adiante uma parte notável da argumentação de Lacan

Assim, calculando aquele significado de acordo com o método algébrico usado aqui, isto é:

Você não precisa ser um matemático para ver que isto é ridículo. Recordo o Aldous Huxley que provou a existência de Deus dividindo zero em um número, derivando disto o infinito. Em uma parte adiante da argumentação isto se mostra completamente típico do gênero, Lacan irá concluir que o órgão erétil

...é equivalente a raiz quadrada de -1 do significado produzido acima, da junção que restabelece pelo coeficiente de sua declaração a falta de significado (-1).

Não precisamos das perícias matemáticas de Sokal e Bricmont para nos assegurar de que o autor desta obra de arte é uma fraude. Será que ele é genuíno quando fala de temas não-científicos? Mas um filósofo que é pego comparando o órgão erétil com a raiz quadrada de -1 um tem, na minha opinião, suas credenciais desacreditadas quando fala de coisas das quais eu não sei.

A ‘filósofa’ feminista Luce Irigaray é outro exemplo a que Sokal e Bricmont dedicam um capítulo inteiro. Em uma passagem rememorativa de uma notória descrição feminina dos Principia de Newton (um “manual de estupro”), Irigary discute que E=mc2 é uma “equação sexual”. Por que? Porque “privilegia a velocidade da luz sobre todas as outras velocidades que são vitais e necessárias a nós.” Num raciocínio desta mesma espécie está a tese de Irigary das mecânicas fluídas. Os fluídos, você vê, foram incorretamente negligenciados. “Físicos masculinos” privilegiaram coisas rígidas, sólidas. Sua expositora americano, Katherine Hayles, cometeu o mesmo erro de re-expressar os pensamentos de Irigary por meio de uma linguagem (comparativamente) clara. Por sua vez, se temos o olhar razoavelmente desobstruído sob o rei, vemos que ele está nu:

O privilégio do sólido sob os fluídos mecânicos, e a real inabilidade da ciência para lidar com o turbulento fluxo ao nada, ela atribuiu à associação de fluidez com feminilidade. Enquanto os homens têm órgãos sexuais que se dilatam e enrijecem, as mulheres têm aberturas que escoam sangue menstrual e fluídos vaginais... Sob esta perspectiva não é se espantar que a ciência não tenha alcançado um modelo que propiciasse a turbulência. O problema do fluxo turbulento não pode ser resolvido porque as concepções de fluídos (e de mulheres) necessariamente foram formuladas para permanecer inarticuladas.

Você não precisa ser um físico para farejar o cheiro absurdo deste tipo de argumento (o tom disto se tornou muito familiar), mas Sokal e Bricmont nos ajudam a entender a real razão por que o fluxo turbulento é um problema difícil: as equações Navier-Stokes são difíceis de resolver
[1].

De maneira similar, Sokal e Bricmont expõem a confusão de Bruno Latou da relatividade com o relativismo, na ciência do pós-moderno Jean-François Lyotard, e o abuso do difundido e o previsível na teoria de Gödel, e da teoria do quantium e do caos. O renomado Jean Braudillard é o único a achar na teoria do caos um uso útil para enganar os leitores. Uma vez mais Sokal e Bricmont nos ajudam a analisar os truques deste jogo. A oração seguinte, “embora construída sob terminologia científica, não faz sentido do ponto de vista” científico:

Talvez a própria história deva ser considerada como uma formação caótica na qual a aceleração acaba com a linearidade e a turbulência criada pela aceleração que inclina a história definitivamente para o seu fim, da mesma maneira que tal turbulência distancia seus efeitos de suas causas.

Eu não irei citar nada mais, pois, como Sokal e Bricmont dizem, o texto de Baudrillard “continua em aumentos graduais de estupidez”. Eles novamente chamam a atenção para “a alta densidade de terminologia científica e pseudo-científica – inseridas em sentenças que são, até onde podemos perceber, destituídas de significado”. Seu resumo sobre Baudrillard poderia representar quaisquer dos autores criticados aqui, bem como abranger outras celebridades americanas:

Em resumo, se encontra nos trabalhos de Baudrillard uma profusão de termos científicos, usados sem nem saber o que eles significam e, além de tudo, num contexto onde são visivelmente irrelevantes. Ou alguém os interpreta como metáforas, ou será difícil ver que função eles podem desempenhar, exceto dar uma aparência de profundidade muito comumente observadas na sociologia ou história. Além do que, a terminologia científica está misturada com um vocabulário não-científico que é usado do mesmo modo sujo. Depois disto alguém pode querer saber o que se aproveita do pensamento de Baudrillard depois que se tira o floreado verbal que o cobre.


[1] “Soluções de equações Navier-Stokes só foram obtidas em um número limitado de casos especiais. As equações são derivadas sob certas suposições simplificadas relativas ao tensor do fluido; em uma dimensão eles representam a suposição chamada Lei Newtoniana de fricção”. Extraído do Dictionary of Technical Terms for Aerospace Use.

4 comentários:

Verbi Gratia disse...

Márcio,

Nota 10 para o artigo "O Pós-modernismo nu", muito esclarecedor. É o que poderíamos chamar de "Bestialismo Científico".

No "Pequeno Dicionário de Arte Poética" de Geir Campos, que foi poeta (Geração de 45?), tradutor, teatrólogo e professor universitário.

Encontramos no verbete "bestialógico" o seguinte:

"Bestialógico
Qualquer discurso ou texto literário disparatado, com ou sem essa intenção, como o seguinte "soneto" de Luís Lisboa:

Tu és o quelso do pental ganírio
Saltando as rimpas do fermim calério,
Carpindo as taipas do furor salírio
Nos rúbios calos do pijón sidério.

És o bartólio do bocal empírio.
Que ruge e passa no festão sitério,
Em ticoteio de partano estírio,
Rompendo as gambas do hartomogenério.

Teus lindos olhos, que têm barlacantes,
São camensúrias que carquejam lantes
Nas duras péleas do pegal balônio;

São carmentórios de um carcê metálico,
De lúrias peles, em que buza o bálico
Em vertimbáceas do cental perônio.

(Pequeno Dicionário de Arte Poética, Geir Campos, Conquista, RJ, 1960, p.33).

--- Fim de transcrição --

Descobri na Internet que Luiz Lisboa era maranhense e que o nome da "poesia" originalmente era "A uma deuza" (sic), mas não deixe de passar no link http://ciberduvidas.sapo.pt/php/portugues.php?id=74 .

Forte abraço.
Marcos Vasconcelos

Lenildo Ferreira disse...

Meu amigo, faça um resumo e me mande por e mail que assim eu lerei. Desse tamanho tá danado!! Internet tá caro!

Gustavo Nagel disse...

Rapaz, acredita que só agora li esse texto? Antes tarde do que nunca. Li e gostei bastante. Muito esclarecedor.

Grande abraço.

Anônimo disse...

Hehe, é estranha a forma como todas as inteligências vulgares se insurgem contra tudo aquilo que não compreendem...mas afinal tão previsivel...como habitualmente, é a defesa que nos obriga a atacar!

Abraço!