sábado, novembro 05, 2005

Possível Plebiscito

Alguns dias depois do referendo de 23 de outubro, Peter Hof escreveu: "Espero que essa vitória tenha sido um divisor de águas entre o que o povo quer e os dirigentes teimam em fazer. Uma linha foi traçada no chão, daqui vocês não vão passar, pensem bem antes de se reunirem em conchavos em Brasília para planejar novas investidas contra nossos direitos."

Contra o estrondoso "não" das urnas, tentou-se a desculpa de que o povo foi ludibriado por um marketing muito bem feito e que as pessoas não votaram contra a proibição do comércio de armas de fogo e munição porque perceberam a burrice que isso seria, mas porque estavam indignadas contra o governo Lula. Bem, quem perde dá suas desculpas.

Nem bem deixamos o debate sobre a comercialização de armas de fogo e em Brasília já está se falando (pela não sei quanta vez) de uma questão ainda mais absurda. Não estou me referindo ao protesto na visita do presidente americano ao Brasil; embora me surpreenda como tanta gente se organizou e saiu rapidamente às ruas para protestar contra o que é decidido na América do Norte enquanto o máximo que conseguem fazer pela escancarada safadeza local, em momento raro de honestidade, é dizerem-se arrependidas quanto a ter votado em Lula.

A questão absurda a qual me refiro aqui é a da liberação do aborto. Um projeto propondo tal coisa, não sei exatamente em que termos, foi apresentado à Câmara dos Deputados pela ministra Nilcéa Freire, e o presidente da Comissão de Seguridade, deputado Benedito Dias (PP do Amapá), prometeu que não ficará engavetado, mas, "vai botar para votar."

E, gostaram, parece que vão botar o povo pra votar de novo. A deputada Jandira Feghali (PC do B -RJ), que há oito anos milita em favor da legalização do aborto, e o deputado Osmânio Pereira (PTB-MG), que é contra o aborto, concordam que seja feito um plebiscito com a seguinte pergunta: “A interrupção da gravidez até a 12a semana de gestação deve ser permitida?”

Há mais informações sobre isto no site da casa da mãe, digo, a "casa de todos os brasileiros", a câmara dos deputados: <
http://www2.camara.gov.br/>. Seria bom se pudéssemos acompanhar essa questão com mais atenção. Talvez um plebiscito com dinheiro público perguntando sobre se queremos ou não o direito de matar nossas criancinhas seja até melhor do que deixar que os deputados decidam a questão por si mesmos.

Entre aqueles que tratam o tema com intransigência no sentido de impedir a legalização do aborto está o conhecido Doutor Enéas. Não estou pedindo votos para o Prona. Das propostas de Enéas, enquanto candidato à presidência da república, eu só lembrava da bomba atômica. Mas quem, como eu, julgou o Dr. Enéas incapaz de dizer algo sóbrio e coerente deve ler este seu discurso abaixo. Pretendo voltar a este assunto posteriormente.


O SR. ENÉAS (PRONA-SP. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, com a permissão de V.Exa., vou usar os 5 minutos a que tenho direito. Sr. Presidente, que a questão é controversa, eu sei. Mas aquilo para que é preciso existir um alerta é para um processo desumano que vem crescendo em todo o planeta. Ninguém é dono da vida de ninguém. Com todo o respeito às senhoras, tenho três filhas e estou falando como médico. Ninguém é dono da vida de ninguém. O concepto, desde o momento da fecundação, da beleza que representa o ato genésico, é uma vida.


Depois que houve a meiose, a partir daquele instante, quando o ovócito de segunda ordem, se uniu ao espermatozóide, há um novo ser, que prescinde completamente daquilo que a senhora gestante pensa. Até o tipo sangüíneo é diferente. Aquilo é uma nova vida.

É absolutamente destituído de qualquer fundamento o argumento de que — como já ouvi muitas vezes de pessoas absolutamente destituídas de preparo — o corpo é da mulher, ela tem o direito de decidir. Isso é absolutamente falso, isso é absolutamente mentiroso, isso é absolutamente cínico, chega a ser até algo próximo de eugenia, muito, muito, muito a favor de teses que ainda medram no espírito de muita gente, cuja tese ideal é que o mundo seja feito de pessoas perfeitas, que não haja deficientes físicos, que seja o nosso planeta constituído de uma população de arianos. Isso é uma beleza, para quem pensa assim.

Mas estudei, aprendi e tenho o direito de defender esta tese: o indivíduo gerado é um novo ser, nada dá o direito de eliminar essa vida. E para os que falam em anencefalia, é bom que se lembre a esses senhores — alguns com diploma de médico também — , que, até o momento de nascer, aquela criatura está viva. Ela vai morrer, mas ninguém sabe exatamente o momento. E, dentre nós, quem sabe quando vai morrer? Quem tem a proterva veleidade de dizer que sabe quando vai desaparecer, se isso é absolutamente impossível, de maneira científica? E como médico, muitas vezes fui inquirido sobre isso: quando vou morrer? Resposta: ninguém sabe. Que direito tem um cidadão, porque é médico, de decretar a morte daquele ser? Nenhum.

Estou falando aqui não em tese espiritual, estou falando em tese científica. E já um colega ilustre ali me disse: espiritualmente, sou contra isso. Não estou defendendo nenhuma tese espiritual, estou dizendo que, mesmo quando o Código Penal defende o estupro, ali há um erro, que mais à frente será corrigido, porque se houve o estupro, e a mulher está absolutamente violentada — e podia ser uma filha minha — eu digo que o ser que está ali não tem nada a ver com ela. Aquele ser que ali está é um ser vivo da espécie humana, que tem que ser defendido pelos congressos, pelas Casas Legislativas, pelo Poder Executivo e, fundamentalmente, pelo Judiciário, que se manifestou de maneira sábia agora.

Quero encerrar dizendo para os senhores que o processo de permissão do aborto caminha junto com uma série de outras teses absolutamente destituídas de fundamento humanista, no sentido de que a população do nosso planeta seja constituída de seres privilegiados. Essa é que é a tese verdadeira! É assim que Malthus está renascendo. É verdade, o neomalthusionismo aí está, querendo que a sociedade seja feita de seres ideais. Agora, pergunto: ideais à imagem de quem? Quem é que tem coragem de dizer o que é o ideal? Será o ideal a tese expendida por Adolf Hitler? Será o ideal a tese de Mussolini? O que é o ideal? A miscigenação é um crime, nesses termos apenas.

Levantei-me, sou de usar pouco o microfone, Sr. Presidente, raras vezes me manifesto, mas mais uma vez percebi que é hora de falar. E se a questão é preparo, eu o tenho; se a questão é diploma de médico, eu o tenho; se a questão é ensinar Medicina, faço isso há 30 anos. Sei exatamente o que estou dizendo. E o recado para os brasileiros é: Cuidado! Que leis semelhantes a essa, ou proposições aqui apresentadas, que teses nesse sentido — e deixo registrado meu aplauso ao Supremo Tribunal Federal — sejam coibidas, e que possamos, isso sim, caminhar em busca de uma sociedade solidária, em que o respeito à vida seja fundamental, de uma sociedade em que todos se respeitem, independentemente de origem, raça, religião ou qualquer outro tipo de convicção.

Quero deixar bem claro que não tenho nada contra ninguém em particular, estou apenas defendendo o direito mais importante de todos: o direito à vida. Muito obrigado, senhores. (Palmas.)


Discurso extraído do site do Prona:
http://www.prona.org.br/interna1.asp?id=107&cidade=Brasil

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