Márcio S.
"...começo a agir como se eu trabalhasse em um filme a que eu mesmo estivesse assistindo. Represento meu papel de maneira normal e faço o papel de um homem normal; mas há um outro eu invisível que é aqualouco, patinador sobre arco-íris, menino tonto, Hamlet, palerma, patético. Enquanto eu digo uma coisa sensata esse meu fantasma se entrega a um silencioso desvario, ou recita versos antigos..." (Rubem Braga)
segunda-feira, fevereiro 26, 2007
segunda-feira, dezembro 25, 2006
.
quinta-feira, dezembro 21, 2006
Se uma mulher me pedir:
-- Quero que subas até ao 10º andar pelas escadas e de lá do alto quero que grites que me amas; se uma mulher me pedir isto, é claro que eu não vou subir a lado nenhum, nem gritar nada -- que não sou de gritos -- mas de certeza que lhe vou dar um beijo.
Elas não resistem a isto.
Ser romântico é dar beijos em qualquer situação.
Elas pedem-nos uma outra coisa e nós zau: um beijo.
Elas choram e nós zau: 1 beijo.
Riem à gargalhada e nós, zica: 1 beijo.
É assim:
beijos, beijos, beijos.
Sou romântico, mas não sou palerma.
Subir de escadas até ao 10º andar por causa de uma mulher?
Nem pensar.
(TAVARES, Gonçalo. O homem ou é tonto ou é mulher. p.71-72. Casa da Palavra, 2005.)
quinta-feira, dezembro 14, 2006
quinta-feira, dezembro 07, 2006
Na série O bairro, o português Gonçalo Tavares cria personagens inspirados em escritores famosos: O Senhor Valéry, O Senhor Henri, O Senhor Juarroz, O Senhor Calvino, O Senhor Kraus, e O Senhor Walser são todos vizinhos num bairro imaginário que terá, quando acabado, mais de trinta senhores, sendo o próximo da lista O Senhor Eliot; além, é claro, d'O Senhor Brecht, o primeiro da série a ser publicado no Brasil (Casa da Palavra, 2005).
O Senhor Brecht me chegou hoje de manhã pelo correio. São 72 páginas que se lêem em 15 ou 20 minutos; 50 micro-estórias — algumas realmente micro, de apenas duas linhas —, a maioria delas absurda, e todas uma espécie de parábola ou fábula da condição humana, tratando de problemas universalmente reconhecíveis como a insatisfação, a guerra, a subserviência, a estupidez individual e coletiva, etc. Aí vão três delas:
____Interrupção
Um homem muito velho, quase cego, sem memória, que tremia e mal conseguia andar, tropeçou e caiu com o coração em cheio sobre a lâmina de uma faca.
___Antes de morrer ainda conseguiu dizer: “logo agora que”.
___O amigo
Era um rapaz passivo. Aceitava tudo o que vinha dos chefes. Porém, como era bajulador, incomodava. Cortaram-lhe a língua: deixou de elogiar. Depois cortaram-lhe os dedos. Deixou de escrever textos laudatórios. Foi num desses dias que, com a cabeça a bater numa mesa — em código morse — ele disse, para os seus chefes:
___— Mais uma como esta e perdem um amigo.
Em vez de uvas os cachos do reino deixavam cair sobre a terra diamantes.
___— Diamantes, diamantes, diamantes! Há anos que é só isto — queixava-se o produtor.